Kuroshitsuji: Book of Circus

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Se o objetivo do estúdio A-1 Pictures era exibir um espetáculo, então eles mais do que conseguiram atingir seu intento. O resultado saiu simplesmente sensacional.

Kuroshitsuji (O Mordomo Sombrio) é um manga shonen de Yana Toboso lançado em 2006 na revista Monthly GFantasy pela editora Square Enix, ainda em andamento, com 19 volumes no Japão atualmente. Aqui no Brasil quem comprou os direitos do manga foi a editora Panini, que adaptou para o título internacional Black Butler e conta com 15 volumes publicados até o momento.

A obra teve também uma adaptação para anime produzida pelo estúdio A-1 Pictures com a 1ª temporada saindo em 2008 com 24 episódios. A segunda temporada, lançada em 2010, com 12 episódios criou um roteiro completamente fora do original. Já em 2014 finalmente o arco Book of Circus foi adaptado em 10 episódios, recuperando a história do manga a partir do ponto em que divergiram, o que aconteceu no episódio 15 da primeira temporada. Também foram feitos sete OVA e um live-action, lançado em 2014 no Japão.

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A história de Kuroshitsuji se passa na era vitoriana, onde Ciel Phantomhive, um garoto de 13 anos, mora numa mansão próxima de Londres e é o herdeiro de uma nobre família inglesa, dono da maior indústria de brinquedos e doces nacional. Como único sobrevivente de um terrível acidente que levou à morte de seus pais, Ciel sobreviveu graças ao contrato que fez com um demônio, o mordomo Sebastian Michaelis, que o serve com perfeição incontestável, ajudando-o a atingir seus objetivos, esperando pelo dia em que irá devorar sua alma. Como descendente do império Phantomhive, Ciel dá continuidade ao trabalho de seus antepassados, resolvendo os problemas que causam desordem na Inglaterra, adquirindo a fama de “cão da rainha”.

Nessa temporada, Ciel é encarregado de solucionar o mistério sobre o desaparecimento de várias crianças na Inglaterra, que aparentemente está relacionado com o circo Noah’s Ark. De prontidão, Ciel e Sebastian se infiltram na trupe para descobrir pistas da verdade. Devo ressaltar que essa empreitada rende boas risadas, afinal, para quem já está acostumado com a atitude orgulhosa de Ciel, cercado de luxo, não é sempre que vemos o garoto se passar por alguém simples, dormindo numa tenda e se esforçando para agradar aos outros.

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A personalidade dos principais integrantes do circo é bem formulada com suas características marcantes, desde o Joker, que é o líder do grupo, repleto de rompantes cômicos, até a Doll, que é uma personagem extremamente fofa e cativante. Todo o cenário ambientado no espetáculo circense do final do século XIX, com tendas coloridas, malabaristas, domadores de feras, combinando com esse ar de mistério sobre o sumiço das crianças, traz um tom lúdico com um fundo sombrio em um contraste bem interessante. Assim como a primeira temporada, utilizaram-se de um cenário infantil, com bonecas ao melhor estilo do curta-metragem “Alma”. No decorrer do anime também se percebe algumas referências à Bíblia como o nome do próprio circo, “Arca de Noé”, e seus integrantes, Snake, o que fala com cobras e Beast, que domina as feras. Os apelidos de alguns fazem alegoria a obras de fantasia, como o par Peter e Wendy.

Yana Toboso elaborou com esplendor o plano de fundo para Kuroshitsuji, repleto de mistérios, aproveitando bastante a ambientação da Inglaterra de 1889, que foi uma época marcada por grandes transformações. Inclusive vários fatos reais daquele período foram anexados à história, como a rainha Vitória só fazer aparições em público vestida de preto em luto ao seu marido e responder a questões políticas apenas balançando a cabeça, sem dar sua opinião verbal. Outra referência latente é a associação da Madame Red a Jack, o Estripador, o famoso assassino em série de 1888. Se procurar a fundo pode-se encontrar várias informações verdadeiras a respeito da Scotland Yard, a rainha Vitória e muitas outras coisas. É uma viagem interessante ao passado que pode lhe trazer maior conhecimento histórico.

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Este arco revela bastante sobre o passado do Ciel e sobre o acontecimento que levou o próprio garoto a invocar o Sebastian, esclarecendo bastante sobre o contrato deles, o ambiente em que ele vivia e até mesmo sobre uma doença que o garoto teve quando pequeno e não tinha sido revelada até então. Anteriormente o que se conhecia sobre os pais do Ciel dava a entender que era uma família bonita, feliz e pura, mas essa temporada mostrou um lado bem mais sombrio, principalmente sobre o patriarca dos Phantomhive. Com isso pode-se ter uma base sobre a personalidade do Ciel, que apesar de ter sido uma criança feliz e boazinha enquanto os pais eram vivos, dá pra se imaginar que ele não seria muito diferente do que é, se seguisse os passos do pai.

O único ponto falho da história é que o personagem final, que é o grande vilão, culpado pelo desaparecimento das crianças, teve uma justificativa muito fraca para tudo o que fez. O desenrolar da trama foi expressivo e frenético, extremamente bem feito, mas o cerne do problema teve uma justificativa pobre. Apesar disso, em comparação à primeira temporada, este arco, ao invés de exibir pequenos casos isolados, desenvolveu-se melhor, oferecendo a proposta de um problema, o desenvolvimento e a conclusão sem deixar arestas, finalizando com a premissa de uma próxima temporada.

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Um tema interessante abordado nos episódios finais do anime foi a busca obsessiva pela beleza exterior, que tem sido uma questão crítica no Japão, Coréia e Tailândia. Cada vez mais vemos pessoas desses países optarem por cirurgias plásticas para mudar o rosto, como aumentar os olhos ou raspar o osso do maxilar, tudo por que eles não estão satisfeitos com a própria imagem que veem no espelho e acreditam que se submeter a esse tipo de procedimento vai melhorar suas vidas e a forma como a sociedade os encara. Para se ter uma ideia, na Coréia um a cada cinco cidadãos fazem cirurgia plástica. A Tailândia é o país onde esse tipo de operação é super barata.

É um ideal realmente levado ao extremo, o que faz com que o índice de suicídio aumente cada vez mais, pois muitas pessoas se arrependem depois ou não ficam satisfeitas com o resultado. Esse não é primeiro anime que mostra os extremos de até aonde chega o ser humano para ser “perfeito”. Mawaru Penguindrum retrata a vida de uma atriz que sofreu na infância pelo ideal de beleza perfeita de seu pai escultor, que a encarava como um pedaço de mármore que ele podia talhar. Hanasakeru Seishounen também mostra uma situação parecida, onde um pai, que se acha feio e sente ciúmes de seu belo irmão, elabora um esquema para que ele possa ter um filho lindo. Chega a ser triste a forma como o estereótipo de beleza é algo supervalorizado, não só no Japão, é claro, como no mundo todo.

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Um dos pontos mais fortes de todas as temporadas de Kuroshitsuji é sem dúvida sua trilha sonora, marcada por músicas como “Si Deus me Relinquit” cantada em latim, “Lacrimosa” e “If God Has Forsaken Me “, todas mantendo a atmosfera lúgubre do anime. Sem esquecer da marcante abertura da primeira temporada “Monochrome No Kiss” e uma cantiga em particular, que eu acredito que não tenham muitas pessoas que a conheçam no Brasil, mas fez parte da minha infância e eu fiquei encantada quando a escutei no anime onde teve a letra sutilmente modificada, mas sem perder o ritmo: “London Bridge Is Falling Down/ My Fair Lady”, que também é apresentada no anime Shinrei Tantei Yakumo. Nessa temporada do Book of Circus outra melodia que cativou os ouvidos mais sensíveis foi “The Piper San” do livro Mother Goose, fazendo uma alegoria ao flautista de Hamelin, que conduz hipnoticamente crianças com o tocar de sua flauta.

O arco Book of Circus simplesmente superou os anteriores de forma espetacular. O roteiro em geral é bastante interessante, prendendo o espectador do começo ao fim, transmitindo o suspense necessário e a mensagem que propôs, com arte fantástica, muito melhor do que a primeira e a segunda temporada. A abertura é de longe o ápice do espetáculo visual, juntando uma apresentação dos personagens do circo com flashes do passado do Ciel em uma tonalidade sombria, com a música “Enamel” da banda Cid, que coube perfeitamente no contexto. O encerramento não ficou para trás, com um visual e música incríveis, como já é de se esperar se tratando de Kuroshitsuji, que não pecou nesse quesito nas temporadas anteriores.

 Fontes:

Curta-metragem “Alma”: https://www.youtube.com/watch?v=uhoRKEs2a8w

Cirurgia plástica na Coréia: http://jezebel.com/5976202/i-cant-stop-looking-at-these-south-korean-women-whove-had-plastic-surgery

Rainha Vitória: http://veja.abril.com.br/historia/republica/inglaterra-imperio-supremacia-mundial.shtml

Sobre Karina Herbsthofer

Artesã, fotógrafa, escritora, otaku, comilona, amante de gatos e dança. Viciada em cheirar livros! Mora no estado de São Paulo. Escreve no blog do Gyabbo! desde 2014.

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2 thoughts on “Kuroshitsuji: Book of Circus”

  1. Que ótima matéria! Pude relembrar tudo de Kuro! Muito informativa! (Deu vontade de reassistir tudo outra vez).

    Eu sempre tive a sensação de que London Bridge is Falling Down era algo muito presente comigo. Só não sei de onde, pois como você falou, realmente quase ninguém conhece.

    1. Obrigada Arthur. Foi exatamente o que eu fiz, quando saiu essa temporada do Book of Circus, eu reassisti as anteriores para ter um parâmetro de comparação e pra fornecer melhor conteúdo para esse texto. Foi muito gostoso relembrar toda a história e o melhor é que a forma como você enxerga o anime hoje, é diferente de alguns anos atras, então dá para extrair um conteúdo maior.

      Que legal! No meu caso quando eu era criança, eu tinha um tecladinho de brinquedo. que além das teclas tinha umas carinhas de animais e um “botão” em especial do qual saía essa música. Por conta disso ficou na minha memória por bastante tempo, mesmo que naquela época eu nem soubesse a tradução.

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