As obras de Kaori Yuki e a arte gótica no manga

Já ouviu falar em Kaori Yuki? É a mangaka de Angel Sanctuary, mas também um dos mais belos traços vistos em mangas, com características narrativas próprias, uma obra vasta de horror e fantasia com enredos impecáveis; de Jack, o Estripador às recontagens de contos de fadas, a autora é capaz de mudar a sua percepção do que o shoujo tem a oferecer.

A revista Hana to Yume completa 40 anos em 2014 e para comemorar o aniversário de uma das principais revistas shoujo, nada como falar de uma das autoras mais proeminentes que a revista já publicou.

Kaori Yuki

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Kaori iniciou sua carreira em um concurso promovido pela revista em 1987 com o one-shot Natsufuku no Erii – Ellie das Roupas de Verão em tradução da Panini – e, desde 1992, com o lançamento de Conde Cain, produziu inúmeros sucessos. Entre eles destaca-se Angel Sanctuary, que viria a ser importantíssimo para o mercado brasileiro e o próprio Conde Cain (em especial a saga/continuação God Child).

Nas palavras de Kaori, ela nasceu em 18 de dezembro, é do signo sagitário e tem tipo sanguíneo B, é “provavelmente mulher”, com péssima memória, medrosa, se empolga e esfria facilmente. Ela adora ZABADAK (banda de rock), Famicon (vídeo game), flores do campo, renda de seda, filmes, casas de boneca, Alice no País das Maravilhas e um amor derradeiro, entre outras coisas.

Grand Guignol Orchestra (Guignol Kyūtei Gakudan)

A principal influência da autora está na estética gótica – e por consequente, na literatura de mesma tradição –, o que pode ser percebido na composição dos cenários (castelos, igrejas, espaços subterrâneos, florestas e ruínas), no vestuário, no ambiente noturno e obscuro. Na prosa, há os temas e símbolos muito relacionados à morte e o uso da psicologia do terror – ela surge por meio das ações e reações humanas, criando, assim, o clima de mistério através do medo ao desconhecido.

No entanto, é nas personagens que está a subversão da influência gótica. O belo cavalheiro com um passado sombrio e uma personalidade longe de ser cavalheiresca. Vilões masculinos que embora sejam “velhos monstruosos”, são subjugados e perdem o seu poder patriarcal que caracterizava o arquétipo. Personagens femininas que estão longe de serem submissas e voltadas ao casamento; são na verdade opinativas, teimosas, fortes de muitas maneiras, cada uma com sua complexidade única.

A arte de Kaori Yuki com os seus elementos é bela e elegante. As proporções seguem uma corrente mais clássica de anatomia, diferenciando-se do mais visto nos quadrinhos japoneses mais populares, o cenário é de encher os olhos e embora a delicadeza e cuidado com os detalhes estejam presentes em todas as obras, é no arco God Child de Conde Cain que sua arte encontra seu ápice na minha opinião. Com relação à escrita, o estilo da mangaka é veloz e envolvente, utilizando-se muito do simbólico que faz a obra se aproximar do poético. Mesmo assim, os mangas de Kaori Yuki requerem tempo para serem absorvidos e interpretados visto que apresentam uma leitura essencialmente profunda.

No Brasil

ASAngel Sanctuary é a principal obra de Kaori Yuki, contando com 20 volumes (40 no Brasil na edição meio-tanko da editora Panini) e uma adaptação direta para vídeo em três episódios de anime – em um dos freetalks publicados, Kaori comenta que rejeitou uma adaptação para anime por achar que não combinaria com o estilo do quadrinho. Ele representou um marco editorial para a Panini também, sendo o primeiro manga da editora com as páginas não espelhadas, além de ser onde vemos os primeiros sinais do que viria a caracterizar o estilo da Planet Manga: as contracapas coloridas, os glossários, os extras etc.

Os charmes de AS, como o manga é chamado carinhosamente pelos fãs, vão desde os aspectos já comentados sobre o estilo da autora ao trabalho com a mitologia judaico-cristã. A mitologia da série é uma mistura mitológica bem feita, cheia de referências que vão desde às bíblicas até as nórdica e as gregas, com inúmeros e diversos personagens que chamam atenção pelo aprofundamento de suas personalidades e detalhes em sua composição, apresentando um elenco em Angel Sanctuary variado em gênero, etnia e sexualidade.

CCConde Cain foi primeiro manga encadernado e é dividido inicialmente em cinco volumes de “contos”: A Julieta Esquecida, Ecos de um Garoto, Kafka (uma história “completa” em volume único) e A Marca do Cordeiro Escarlate 1 e 2, mas é somente em Ecos de um Garoto, o segundo volume, que o enredo de fato começa. Essa obra também foi publicada no Brasil pela Panini, mas juntando-se a sua continuação, God Child, formando um total de 13 volumes, todos como “Conde Cain”, ficando essa segunda parte conhecida como God Child parte 1 à parte 8.

Em God Child temos a elegância e o detalhamento do traço belíssimo unidos com a profundidade da abordagem do enredo em uma Inglaterra com ares de Sherlock Holmes. Cain é um conde que coleciona venenos e investiga mistérios ao lado do seu fiel mordomo Riff, ao mesmo tempo em que lida com as ações da organização Delilah. Um enredo que de início parece simples, mas desenrola-se em uma trama de mistérios e horrores, sem perder as explicações científicas, além de conter dramas bem-feitos e destruidores de corações.

Com referências que passam de Kafka para Alice no País das Maravilhas até chegar em Jack, o Estripador, Kaori Yuki aproveita para destruir a sua infância reformulando contos de fadas e versões das cantigas da Mamãe Gansa – incluindo-se aqui a música das Meninas Super Poderosas numa forma traumatizante. Com uma tradução que de início erra feio (“mãe” no lugar de “madrasta” justo no primeiro capítulo) e resultou na mudança de tradutores, o resultado final é um trabalho quase impecável da editora brasileira para aquele que é o manga que reúne tudo que há de bom no estilo de Kaori Yuki.

Outros

Blood Hound (Vampire Host)

Blood Hound (Vampire Host)

Grand Guignol Orchestra, de cinco volumes,é um apocalipse zumbi em um cenário medieval, no qual um grupo formado por músicos mercenários e uma garota com uma estranha habilidade viajam o mundo a mando de uma rainha louca. Boy’s Next Door é um Boys Love (yaoi) de volume único com uma história trágica e personagens envolventes mesmo com o pouco tempo de desenvolvimento da trama. Fairy Cube, Cruel FairyTales, Ludwig Kakumei são mangas curtos e trabalham com a subversão dos contos de fadas.

Entre tantas outras obras, destaca-se Blood Hound, que se difere do estilo da autora pelo humor ser o principal gênero do manga. Conta a história de quando uma jovem se envolve com vampiros hosts – para uma definição do que é um Host Club, clicar no AQUI. O manga ganhou uma adaptação em dorama de 12 episódios com o título de Vampire Host.

Todos os mangas citados poderiam ser uma excelente pedida para a publicação no Brasil, especialmente pelo histórico da autora no país. Atualmente Kaori Yuki trabalha em Kakei no Alice, iniciado neste ano na revista Aria da Kodansha. Considerando a adoração da mangaka por Alice no País da Maravilhas, a grande inspiração para a obra, no futuro também poderá vir a ser uma outra excelente pedida para o mercado nacional.

Referências para este post: O Vitoriano e o Gótico no mangá Count Cain, de João Antonio Cattivelli Salvadoretti; Literatura Gótica e Sobrenatural; A História da literatura gótica – Obras e escritores, de Amanda Pimenta; santa Wikipédia.

Já ouviu falar em Kaori Yuki? É a mangaka de […]

8 thoughts on “As obras de Kaori Yuki e a arte gótica no manga”

  1. Não tenho grande conhecimento na área dos mangás. Esse artigo realmente me encantou, irei procurar o trabalho dessa mangaka hoje mesmo para começar a ler. Muito obrigado pela recomendação.

  2. Pra mim só faltam 10 edições de AS para eu ter minha coleção completa!E eu te falo que eu fico em cima do muro com o traço dela, tem horas que eu gosto mas tem horas que eu acho terrivel o traço dela!Mas a emoção que ela traz na história é incrivel ( as ediçoões 3 e 4 e 6 não me deixam mentir!), não tem como não se identificar!

    1. Sim, a emoção é um dos pontos fortes da Kaori Yuki e realmente não tem como não identificar com a história e com as personagens. Já chegou a ver o traço dela em Conde Cain e mais atualmente? Apesar de todo o detalhamento que ela já tem em AS, em God Child (e nos mangás mais recentes) é tão elegante e detalhado o traço. Boa sorte em completar a coleção de Angel Sanctuary!

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