Barakamon e a arte do Shodo

Barakamon e o Shodo

Barakamon é um anime cujo protagonista é um jovem e temperamental mestre de Shodo. Epa, calma aí. Mestre do quê?

Apesar da pouca idade Seishuu Handa é um calígrafo profissional. Certo dia, durante uma exposição, ele ouve duras críticas do curador e acaba reagindo com violência. Handa é então enviado por seu pai a um pequeno vilarejo numa ilha distante, para esfriar a cabeça e refletir sobre o que fez.

soco do Handa

Assim começa Barakamon, bem sucedido mangá de autoria de Satsuki Yoshino publicado desde 2009 e adaptado para anime pelo estúdio Kinema Citrus agora em 2014. Trata-se de uma comédia slice of life muito bem feita, que recomendo para quem gosta do gênero e principalmente para aqueles que têm interesse em cultura japonesa de modo geral. Não vou fazer um review aqui, pois o objetivo do post não é o anime em si, mas uma curiosidade que atraiu minha atenção para o anime: a caligrafia japonesa.

Quando comecei a acompanhar Barakamon, além de me divertir muito com as desventuras de Seishuu Handa, fiquei curiosa com a profissão dele. Calígrafo? Como assim? Mas caligrafia não é só escrever com letra bonita? Existe mercado para esse tipo de trabalho? E fui pesquisar. Descobri que no Japão o calígrafo é muito respeitado. Sabem por quê?

Shodo

Para começar, a escrita japonesa é bastante complexa. Ela tem dois sistemas distintos: o fonético, representado pelo hiragana e katakana, e o de ideogramas, os famosos kanjis. Mesmo quem não sabe japonês já os viu na internet, em placas de lojas e restaurantes na Liberdade e o comentário comum é “nossa, parece um desenho”. No caso dos kanjis, realmente, eles nada mais são do que representações gráficas de ideias e conceitos. E por serem “desenhos” não podem ser feitos de qualquer jeito. Os traços que compõem um caractere devem ser feitos em determinada ordem, ângulo e direção. Escrever kanjis com um pincel é extremamente difícil. Na verdade, é uma arte, e chama-se Shodo (書道).

O Shodo, assim como o kanji, originou-se na China e foi posteriormente importado pelo Japão. Tradicionalmente usa-se papel de arroz e uma tinta específica chamada “sumi”, que é bem parecida com o nanquim. O calígrafo tem que raspar um bloco dessa tinta num recipiente apropriado e misturar o pó resultante com água. É claro que são materiais caros, então quando está só praticando ou fazendo trabalhos que serão digitalizados (como placas de lojas, por exemplo), o profissional usa nanquim e papel de desenho comum mesmo.

materiais de shodo

Além de dar aulas, o calígrafo também trabalha com cartazes, faixas e placas para vários fins, sempre que há necessidade ou preferência pela escrita manual (festivais, eventos tradicionais, restaurantes e lojas típicas).

Assim como um pintor, o objetivo do mestre de Shodo é provocar sensações e sentimentos nas pessoas que veem suas obras. Como todo artista, o grande desafio do calígrafo oriental é não apenas dominar a técnica e as regras, mas ser capaz de ir além delas e desenvolver um estilo próprio. Voltando a Barakamon, foi exatamente isso que o curador criticou no Handa. Ele domina a técnica, mas não tem estilo. O protagonista, à medida que conhece e passa a se relacionar com o povo do vilarejo, começa a amadurecer e buscar uma forma diferente de usar o pincel . Exatamente como fizeram grandes artistas como Van Gogh, Picasso e muitos outros.

Para ver e saber mais sobre Shodo, clique nos links abaixo. Se houver uma exposição ou demonstração perto de onde você mora, vá dar uma olhada. Embora o conhecimento do idioma possa intensificar a experiência, não é uma condição indispensável. Até por que alguns kanjis são de tal forma alterados pelas pinceladas dos mestres que ficam praticamente ilegíveis.

Afinal, o Shodo não busca transmitir informações, e sim emoções.

Fontes:

http://www.animenewsnetwork.com/news/2013-09-18/barakamon-countryside-comedy-manga-gets-anime (inglês)

http://www.bugei.com.br/bugei/mentais/shodo.asp

http://www.culturajaponesa.com.br/

http://www.beyondcalligraphy.com/japanese_calligraphy.html (inglês)

Sobre liviasuguihara

Instrutora de inglês, "arteira", amante de animes e mangás. Você também me encontra no Twitter (@lks46), no Behance (https://www.behance.net/lksugui7ac5), e no Instagram (liviasuguihara).

Barakamon é um anime cujo protagonista é um jovem e […]

10 thoughts on “Barakamon e a arte do Shodo”

  1. Eu estou assistindo o anime e tive o mesmo interesse que você em relação ao shodo, Livia. Mas fiquei só nas questões mesmo, não cheguei a fazer uma pesquisa sobre a profissão. Muito bacana a sua postagem!

    1. Obrigada, Fabio! Eu fiquei curiosa por que já tinha ouvido falar de parentes e amigos sobre contratar calígrafo pra escrever em lembranças de festa. O Japão é uma fonte infinita de curiosidades, hehe…

  2. Adorei saber um pouquinho mais do Shodo. Realmente, como alguém que está estudando japonês eu sei como é complicado escrever kanji mesmo sem manjar de caligrafia, haha. Então, eu captei um pouco melhor a mensagem a respeito dos problemas do Handa. É legal como Barakamon é um daqueles animes que tem toda uma dimensão cultural e acaba educando em alguns aspectos. ♡

  3. Muito bom Livia, a principio estava com preconceito do anime por achar ser meia boca, mas agora é certeza de que irei assistir, fiquei muito interessado na arte do Shodo também, e seu texto está sensacional.

    1. Te digo que você não vai se arrepender. Barakamon se torna uma surpresa maravilhosa para quem o assiste. Se prepare pois você vai rir muito, na minha opinião Barakamon foi a melhor surpresa dessa temporada.

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