A metalinguagem idealista de Bakuman

Esse post irá conter fortes spoilers sobre Bakuman e Death Note, leia por conta e risco.

Na época do colegial, no meio de tantas obras lidas e estudadas nas aulas de literatura, uma que me chamava muito a atenção era Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis. Não exatamente pela história – sendo sincero, nunca completei o livro -, mas pela habilidade do autor com as palavras. Não somente sua prosa era das melhores que eu havia lido, mas uma característica específica me causava grande satisfação ao ler: suas digressões, intertextualidade e metalinguagem. Certamente um dos momentos literários que mais me marcaram até hoje foi ver o imortal culpar o leitor pela sua ignorância frente à leitura complexa do autor.

Desde aquela época esses recursos criativos sempre me chamaram muito a atenção, chegando a influenciar nas (poucas) coisas que escrevi nada vida. Dessa forma, é fácil entender que para mim (e para muitos) grande parte da diversão ao ler o manga Bakuman está justamente no seu caráter metalinguístico e nas frequentes intertextualidades.

Para aqueles que não acompanham o manga semanalmente, serve um pequeno resumo: A dupla Mashiro e Takagi, jovens autores na revista Shounen Jump que se utilizam do pseudônimo Ashirogi Muto para publicarem suas obras. Nos capítulos mais recentes a dupla lançou um novo manga – Reversi – que tem como enredo base um estilo de manga de batalha não-mainstream através da dualidade de dois personagens principais (percebam a diferença entre “protagonista” e “personagem principal”).

Apesar do imenso sucesso inicial do novo título, os dois, juntamente do seu editor, Hattori Akira, percebem que a obra possui um problema difícil de ser solucionado. Ao dar importância igual para a luta dos dois protagonistas, não há muito para onde correr, o final está definido, as únicas posssibilidades é de como ele acontecerá. Assim, como fazer um manga que dure anos e anos como obras consagradas (Rurouni Kenshin, Slum Dunk, Dragon Ball, como cita o próprio roteirista da dupla, Takagi, em mais um exemplo da intertextualidade do título) anteriores sem perder a qualidade, caindo para clichês que comprometam o valor artístico das mesmas?

Antes de continuar meu raciocínio, leitor, peço que voltemos dois capítulos antes do atual. Neste temos o árduo processo da dupla e seus assistentes em conseguir produzir um capítulo de 45 páginas para o manga PCP, agora de mudança para uma revista mensal, e um capítulo de 56 páginas para Reversi. Isso sem contar com o fato de que ambos capítulos receberão páginas coloridas, exigindo ainda mais dos artistas.

Este capítulo, iconicamente intitulado “Smooth sailing and pandemonium” destoa completamente do estilo usual de Bakuman e pode ser entendido como um one-shot dentro de uma obra semanal. É tanto que mesmo a arte de Takeshi Obata passou por matizes diferentes para explorar emoções completamente novas do que encontramos em Bakuman. Com exceção da qualidade excepcional deste capítulo, ele foi totalmente dispensável, principalmente se levarmos em conta como a passagem temporal em Bakuman costuma ser rápida e abrupta. Quisesse os autores, em duas páginas eles mostrariam esse sofrimento, que sim, era importante mostrar, mas não indispensável.

Na minha percepção Obata e, principalmente, Ohba, se utilizaram deste capítulo como uma oportunidade de aprofundar mais ainda a metalinguagem que já é tão marcante em um manga sobre fazer mangas. Este capítulo não me fala sobre Bakuman (ou pelo menos não me fala muito), mas me fala de toda uma angústia própria dos autores, possivelmente pelas suas experiências pessoais que passaram durante as carreiras. Bakuman foi só o meio de passar uma ideia.

Tendo essa percepção minha sido apresentada, faz-se possível retomar para o motivo principal deste post. Caso você, leitor, já tenha lido Death Note, é bem possível que aqui já saiba aonde eu queira chegar, mas tenha calma, não apresse a leitura.

Ao perceberem que Reversi tem grandes chances de ser uma obra de gigante qualidade, mas que para isso provavelmente não durará muito tempo, Bakuman começa uma discussão Qualidade X Quantidade. “Não está tudo bem terminar um manga rapidamente?” questiona Mashiro. Este ponto é de fundalmental importância para a obra, pois é a quebra de um paradigma básico da série: Fazer um manga de sucesso para que ele logo vire anime, possibilitando que Azuki, “noiva” de Mashiro, possa ser a seiyuu principal do mesmo e os dois possam finalmente se casar. Apesar das preocupações de Takagi quanto a isso, vê-se um amadurecimento óbvio em Mashiro quanto ao seu papel como mangaka (e aqui cabe a crítica de isso estar sendo feito às custas de Mashiro, aquele que em teoria deveria ser o mais inteligente da dupla).

Essa discussão, tendo como pano de fundo uma obra marcada por dois personagens principais que representam de forma bem dualista o “bem” e o “mal”, torna impossível não pensarmos em Death Note e a disputa entre a “justiça” de Kira e de L, obra anterior dos mesmos autores de Bakuman.

É praticamente um consenso entre os fãs (e não tão fãs) de Death Note de que a obra, apesar de ser como um todo muito boa, tem seu ápice de qualidade na morte do detetive L. E aqui devemos voltar para a discussão trazida por Bakuman: Um manga de qualidade, com uma história sólida e que sabe para onde está indo deve se render a artifícios como novos personagens, aumento de poderes, incremento na ação, apenas para poder continuar sendo publicado ou deve entender o seu real potencial e terminar quando o autor acredita ser o melhor momento?

A resposta, mesmo que fictícia, da dupla Obata e Ohba é que a qualidade é mais importante. Apesar desse mote de valor artístico ser frequente na obra, sabemos pelo histórico que não é exatamente assim que pensa a Shounen Jump. Casos como Dragon Ball são emblemáticos para ilustrar que sim, na maioria das vezes, é o valor econômica que falará mais alto.

Em Death Note foi feita uma escolha que na minha opinião se mostrou errada, com o manga perdendo fôlego seguidamente em seu segundo arco principal, traindo aquilo que havia me atraído para ele em um primeiro momento. É difícil dizer se os autores foram obrigados, coagidos ou simplesmente tomaram a decisão errada, mas ao ler este último capítulo de Bakuman nos é permitido pensar que eles estão ali falando para todos “Nós erramos em Death Note, às vezes um manga simplesmente precisa acabar porque é a hora dele acabar. Na realidade talvez isso seja mais complicado, mas no mundo que criamos vamos nos manter com aquilo que idealizamos”.

Existem muitas críticas ao manga e ao anime de Bakuman, e eu sou suspeito para defende-los visto que é meu manga atual favorito, mesmo que alguns arcos recentes tenham sido abaixo da média. Mas é inegável que dentro da sua proposta (e muitas vezes uma análise qualitativa de uma obra “erra” simplesmente por não entender o que foi proposto pelo autor) de explorar de forma, sim, idealizada a metalinguagem dos mangas dentro de um estilo shounen, Bakuman é sim muito bom.

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16 thoughts on “A metalinguagem idealista de Bakuman”

  1. Seguindo essa linha, eu vejo muito de Death Note nos arcos que tem o Nanamine-kun, este fazendo um papel parecido com o do Kira, de fazer o leitor refletir sobre as ações dele, e Ashirogi Muto fazendo o papel de mostrar porque as ações dele não estão certas, apesar de serem obvias na maioria das vezes.

  2. Gyabbo pensou da mesma forma que eu =]… Quando Takagi e Mashiro estavam criando o plot para Reversi, eu pensei automaticamente em Death note… é tudo muito parecido um principal Dark e um co-principal que tem um ideal diferente de justiça, mas a história entre os dois é muito envolvente, concordando ou discordando com o principal, você acaba prestando atenção nele, pq é interessante, tem a tal qualidade que o Mashiro fala, e esse ultimo capitulo só me fez confirmar isso.

    E acho que dessa vez dá certo, afinal Death Note tem um anime e fez um sucesso estrondoso xD~ Não sei os Rankings dele na época que ele era serializado, mas provavelmente Reversi vai ter rankings parecidos, ou não né xD

    Muito bom seu post ^_^ Continue sempre com seu trabalho bem feito =**

  3. Faz um século que encostei Bakuman (falta minha u.u)… E estou,realmente, impressionada, por ter lido um post com uma temática aqui. Não que eu não lido antes (mas, tem sido raro ultimamente). E não entenda como uma crítica. Voltando à Bakuman….
    Metalinguagem idealista. (Ainda bem que você colocou “idealista”…se colocasse “realista” iriam chover comentários ruins). No meu ponto de vista, Bakuman critica,sutilmente, (se isso estivesse muito ‘na cara’, não seria publicado,creio eu) a Shounen Jump. Ele está ali entre os mangás mais lidos. Sem ser,exatamente, um deles. Agora…falando de ‘durabilidade’ (ou tempo de publicação), tudo acabará quando o Mashiro e a Azuki se casarem (óbvio). Ou seja,os autores de Bakuman podem prolongar o quanto quiserem até que isso aconteça. O desafio é não fazer com que a qualidade dos arcos caía (e até onde eu li, estava tudo direitinho e interessante…pra ti ver como estou atrasada… xD).

  4. Gostei muito do post. Fiz um sobre Bakuman no meu blog, mas focando em um ponto menos profundo. Concordo basicamente com tudo que foi dito, mas o que eu achei interessante foi perceber esse capítulo fala que prolongar a história não é algo certo a se fazer, caso não seja interessante, mas Bakuman prolongou a história com esse capítulo, mas de maneira interessante. O próprio Mashiro fala que eles só precisam fazer mais uma obra, e assim, Bakuman durará mais tempo. Eu acredito que as coisas ficarão interessantes até lá, então não vejo isso como um problema. Gostei muito das visões do post, coisas que eu não tinha percebido, como a ideia de um one-shot dentro da série, mas a ideia de ligação com Death Note está visível e eu gosto dessa sinceridade dos autores para com o leitor… Obrigado pelo post, Bakuman é meu mangá preferido e adoro post sobre ele! o/

  5. Eu sempre achei a “Saga Near” muito menos interessante do que a Saga “Kira x L”. Não que a primeira não consiga ser interessante, mas por usar os mesmo clichês da anterior, ficou muito previsível. E para um mangá de suspense que nem Death Note, isso pesar bastante. Mas novamente, digo que o Ohba consegui contornar bem. Near é um personagem carismático, e mais ainda no dentro dos clichês shounens, ele é um criança, e age como uma, mas tem o poder de salvar o mundo de um grande vilão, que é o Kira. O Poder de “escolhido” ( outro clichê shounen) é dado a ele pela ideia de inteligencia e também por ele estar num orfanato só pra “crianças especiais”. A segunda saga de Death Note é claramente muito mais shounem do que a primeira, que usa mais clichês Seinens.

    Quando li esse capitulo da semana passada, fiquei bastante feliz de ver quase um critica ao sistema de mangá feita com quase nenhum censura. Aliás, desde o começo, apesar do idealismo da série, sempre vi um certo verossimilhança quando existem o tempo todo essas criticas. Aliás, em Bakuman saga que é introduzida um protagonista, existem um grande critica aos editores e mostra o quanto eles podem influenciar – bem ou mal – na obra de um mangaká. Isso passa um grande sensação de realidade, senso ou não o buraco ainda mais em baixo, isso consegue ter persuadir.

    Essa capitulo teve um ar de auto-critica, — ou critica a quem convenceu eles a estender Death Note — o mangá desde seu inicio é focado em um Duelo entre dois gênios que lutam por motivos egoístas. L, apesar de figurar o lado de Bem, sempre deixa claro que não ta fazendo nenhuma caridade. E Kira, apesar de todas as mortes, quer um mundo melhor no modo em que ele acha que deveria ser melhor. Quando L morre, o natural era que Raito se convença de que venceu e passase um bom tempo convencido, e dai criar uma reviravolta no qual o L usa a sua morte para desmascarar Kira. ( não sei como o.O HAHA’) E daí no fim o Shinigami que adora maçãs, mataria o estudante entediado. Penso que – usando como referencia o anime – poderia ter acabo la pelos seus 28 episódios, a extensão ficou cansativa. Apesar de ter os seus momentos, você continua só porque quer ver o que acontece no final. Os capítulos não são mais interessantes, e a unica coisa que te prende, além da capacidade de narrativa do Ohba, é a expectativa pelo final.

    (Assim como os grandes shounens de luta longos que desencantam em um determinado ponto, e boa parte das pessoas só continua acompanhando pra ver como é o final daquilo tudo)

  6. Bakuman é idealista não só na metalinguagem como no romance, mas aí é assunto pra outra discussão :D

    Mas é bom ver o sistema da Jump sendo questionado mais uma vez em Bakuman. Quando foi a última vez? Há muito tempo, com o Fukuda. Isso acabou sendo deixado de lado…

    Eu também tenho muitas críticas contra Bakuman, mas é um mangá que eu leio desde o primeiro capítulo. E vi ele subindo no TOC, disputando com Naruto e One Piece até, ao mesmo tempo que o anime começava a fazer sucesso(que eu dropei porque o ritmo tava lento demais para mim). Junto com Hunter x Hunter, é o que leio da Jump atual.

  7. Eu parei de ler Bakuman a algum tempo e não sabia sobre essa parte muito interessante da história.Eu não parei de ler por que não gosto é só frescura minha mesmo , logo eu volto com a leitura.
    Gostei dessa crítica que foi um tanto quanto ousada né , tipo críticar a Shounen Jump em um manga da própria Shounen Jump , eu acho isso bem ousado xD
    Não vou opinar sobre Death note por que quanto a esse assunto eu não tenho uma opinião decente formada.

  8. Hikaru no Go sofreu do mesmo problema que Death Note… Até o final do Arco do Sai (que foi tudo que rolou no anime) a coisa foi bem… O problema que sinto é que os dois arcos posteriores nos dois mangás em questão (Saga Near no DN, Arco do Torneio Young Stars no HnG) foram mal resolvidos, com personagens fracos sendo usados (em especial os novos…) e sem muita amarração. Não creio que isso seja “culpa” do Obata-Sensei e nem do Hotta-Sensei nem do Ohba-Sensei… Apenas acho que o problema é que mangás assim, quando você pega e faz ele “sair da linha”, a maionese desanda e desanda fácil. Encostei Bleach, tanto Mangá quanto Anime, porque a coisa foi se prolongando demais, demais da conta. Acho que tanto DN na saga Near (que é boa, ainda que fraca quando comparada com o arco principal) quanto HnG quanto Bleach sofreram do excessivo sucesso. Lembra as séries de TV que começam bem, com toda a Hype e depois a maionese desanda muito forte (Lost? Heroes? Arquivo X?)

  9. Como muitos falaram, o mais correto a se fazer seria atribuir classificação indicativa aos animes/mangas/jogos considerados ofensivos… Com isso acredito q todos ficariam felizes, entre protudores de anime e manga, governo, pais , fãs e todo o resto envolvido.

  10. Sinceramente? Bakuman é algo que eu não gosto. Não vou entrar em detalhes, pois é cansativo e isso tem no meu blog… Eu ainda não li, mas dúvido que haja uma crítica de verdade a Shonen Jump. Há editores… Se eles não perceberam, como é que a mensagem chegará aos leitores? Pode até ter algo nas entre-linhas, mas não é nada demais.

    Cuidado Gyabbo, por ver coisa onde não tem!

    1. @Soto
      Você não leu Bakuman, não leu o post, não leu o capítulo em questão? Não entendi a que seu comentário se refere.

      Gyabbo!

  11. Bakuman, é um de meus mangas/animes prediletos.

    Apesar de ter algumas arcos realmente abaixo da média, tudo acabou sendo importante para o “crescimento profissional” do Mashiro e Takagi e até mesmo estes arcos eram chatos por um ou dois capitulos, depois voltam a ser interessantes.

    Li muitas críticas negativas sobre o final da serie, mas eu gostei, acredito que tenham finalizado bem.

    Considero Death Note uma obra sensacional até a morte do “L”. Com a introdução do Near, a série caiu muito, não ao ponto de se tornar ruim, já que mesmo este segundo arco é melhor que muitos mangas/animes que temos por ai.

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