Uma conversa entre Takehiko Inoue e Eiichiro Oda – Parte 2 de 6

E finalmente aqui está a segunda parte da conversa entre Takehiko Inoue e Eiichiro Oda. Gostei de saber que vocês gostaram desse material que eu trouxe para o blog e espero continuar trazendo. Caso você ainda não tenha lido a primeira parte, clique aqui para lê-la. Lembrando que essa tradução é feita em parceria e com autorização do blog The Eastern Edge.

Primeiramente, seguindo a orientação do tradutor original, aviso que em algumas partes do texto há a presença de uma “voz anônima” na discussão fazendo perguntas e etc. No original ela é representada por uma linha reta no lugar onde deveria estar o nome de quem fala e mostra que pode ter ocorrido algum tipo de edição no texto. De qualquer modo, irei representar qualquer que sejam os comentários ou perguntas anônimos com seis asteriscos, como esses ******.

A tradução original também veio acompanhada de algumas imagens, que serão reproduzidas abaixo (e acima), mas não foram publicadas na revista e sim na Weekly Morning da última quinta-feira, onde foi publicado o mais recente capítulo do mangá Vagabond.

Agora clique em “ler mais” para conferir a 2ª parte completa da conversa. Se eu publicasse tudo de uma vez, deformaria bastante a página e atrapalharia a navegação. Mas agora, ao que interessa…

****** : Sr. Oda, quando você começou a ler Vagabond?

Oda: Eu li tudo de uma vez quando o tankobon saiu. Obviamente, eu comprei todos os volumes. Desde que começou a ser serializado, foi uma febre entre nós, jovens autores. É tão cativante, trata de temas profundos… Mais que qualquer outro. Eu não consigo enjoar da arte do Inoue sensei. É tipo, até onde esse cara consegue levar sua habilidade? Eu venho buscando isso desde Purple Kaede. ¹

Inoue: Bem, eu tenho certeza que eu melhorei desde aquela época. Contudo, é estranho porque quando eu estava fazendo Purple Kaede eu pensei, “Veja só, eu sou um artista bem bom!” (risos). Agora, porém, é algo que eu não gostaria de mostrar para as pessoas.

Oda: Eu vi seu último trabalho para “A Última Exibição de Mangá” e, bem… Eu nem consigo entender o que significa – se é bom ou o que é, porque está muito acima da minha capacidade. Como esse tipo de arte consegue ser feita? Como o enorme mural do Musashi. É tão grande, mas ainda assim as proporções não deformam nem um pouco.

Inoue: Na verdade, se você olhar bem, vai ver que as proporções estão sim um tanto quanto tortas. Ainda há obras (na Exibição) que eu me preocupo um pouco.

Oda: Mas eu não acho mesmo! Todas as obras estão fantásticas e em um nível que estão acima da minha compreensão.

Recentemente eu tenho me dedicado a conhecer a arte japonesa do Período Edo. As pessoas na época de Edo não tinham internet, lojas de gibis, e eu não acredito que eles tinham muitas formas de entretenimento para passar o tempo como nós temos hoje. Em contrapartida, acho que eles tinham muito mais tempo para se dedicar às suas habilidades do que as pessoas nos dias de hoje são capazes. Por causa disso, eles conseguiram conquistar coisas em níveis que é quase impossível se equiparar. Quando eu olho para à pintura a tinta, eles são espetacularmente bons. Mesmo numa pintura casual, eles conseguem criar linhas únicas cheias de vida. Mesmo arte ultra-realista não consegue reproduzir isso. Eu acredito que a sua arte conseguiu atingir o nível das do Período Edo. Eu me pergunto com o uma pessoa moderna consegue desenhar desse jeito. Isso me intriga.

Inoue: Estou lisonjeado! (risos)

Oda: E n’A Última Exibição de Mangá, tem cerca de 150 desses desenhos, certo? Não consigo nem imaginar.

Inoue: Quando muita gente fica te pressionando, você consegue realizar  um surpreendente número de coisas.

Oda: Eu estive sobre a pressão de muitos prazos e eu consegui sobreviver muitas vezes mas… eu não conseguiria ir tão longe.

Inoue: Se é sua própria arte, você consegue.

Oda: Não, não… não consigo! Eu acabo sempre achando que alcancei meus objetivos ao simplesmente terminar uma página.

Inoue: Mmm, entendo…

Oda: Não que esteja realmente exausto, mas eu sempre chega um ponto em que eu estou tipo, “Ok, estou acabado!”. Eu não consigo chegar num patamar onde eu realmente acredite nos meus whitespaces

Inoue: Para mim, esses whitespaces podem ser bem importantes. É difícil, não é?

Oda: Eu acho que isso é senso artístico.

Inoue: Pode ser mais a minha personalidade. Mesmo com um grande objetivo em mente, chegar no objetivo desejado não me interessa. Na verdade, se eu começar a desenhar de uma outra maneira e ver que está funcionando da maneira que está eu finalizo tudo ali mesmo. É uma personalidade um tanto irresponsável.

Oda: Você tem uma imagem completa do que quer desenhar na cabeça antes de começar a desenhar? Existem umas pessoas espetaculares que eu escutei terem cada linha na cabeça e eles só as seguem no desenho.

Inoue: Não tenho certeza. Eu acho que eu tenho sim uma imagem na minha cabeça, mas não é totalmente clara.

Oda: Para mim é tão bagunçado que não sei nem se posso chamar de imagem. Mas enquanto eu desenho, eu meio que transfiro essa bagunça por papel e preencho com a minha caneta.

Inoue: Eu acho que isso é próximo do como é pra mim também.

Oda: Eu ainda não cheguei no nível de artistas que conseguem desenhar linhas precisas logo de primeira. Eu tenho um amigo artista com memória fotográfica, que nunca esquece um desenho mesmo tendo visto ele uma única vez. Então, quando ele desenha um personagem, ele consegue desenhar aquele personagem novamente sem nenhuma referência visual. É uma habilidade impressionante. Eu esqueço personagens que fiz há algum tempo muito rápido. Se eu quero trazê-los de volta, eu tenho que cavar nos meus trabalhos antigos e dar uma olhada de novo.

Inoue: Eu sou do mesmo jeito. Eu estou sempre olhando meus personagens antigos. Muitas vezes eu esqueço de desenhar alguns detalhes, como uma barba perdida aqui e ali.

Oda: Sério? Isso é um alívio. Eu me sinto como se ainda tivesse esperança (risos).

Oda: De onde você tira a sua ambição e desejo de melhor a sua arte?

Inoue: Bem, é simples. Quando você olha para alguns desenhos antigos é um tanto quanto embaraçoso, não?

Oda: É, um pouco.

Inoue: Eu penso que isso vem do sentimento de saber que pode fazer melhor.

Oda: Eu sempre achei que eu fosse um dos artistas mais ambiciosos, mas, depois de visitar “A Última Exibição de Mangá”, me senti pequeno nesse departamento.

Inoue: Não, de jeito nenhum. Quantos anos fazem que One Piece começou?

Oda: 12 anos.

Inoue: Isso é incrível. Conseguir manter uma série com essa longevidade me faz sentir da mesma maneira.

Oda: Sem chance! Eu acho que Slam Dunk tem uma ótima duração para uma série do tipo longa. Inicialmente eu tinha só 5 anos planejados para One Piece… agora já faz mais que o dobro disso

Inoue: Lendo até o volume mais recente, o 52, não me parece que vá terminar tão cedo.

Oda: Graças ao sucesso da série, todo o resto da minha vida está sem definição. (risos)

Notas:

¹ Purple Kaede é o nome do primeiro mangá do Inoue  publicado na Weekly Shonen Jump em 1988.

² Whitespace é um termo artístico que, infelizmente, não consegui achar um correspondente em português. Deve existir, mas meu pouco conhecimento na área complicou as coisas. Entenda esse trecho como o Oda não conseguindo estar totalmente satisfeito com o resultado final do seu desenho.

Espero que tenham gostado e aguardemos a 3ª parte.

Até o próximo post!

Sobre Diogo Prado

Tradutor, professor, host do Anikencast, apaixonado por quadrinhos, apreciador de jogos eletrônicos e precoce entendedor de animação japonesa.

Você pode me achar no twitter em @didcart.

E finalmente aqui está a segunda parte da conversa entre […]

9 thoughts on “Uma conversa entre Takehiko Inoue e Eiichiro Oda – Parte 2 de 6”

  1. Caramba! Parabéns por trazer essa entrevista!

    Com certeza são dois gênios dos mangás. O Oda por conseguir manter um nível de qualidade em One Piece por tanto tempo e o Inoue por ter o traço mais genial dos mangás e ter filosofias fascinante em suas obras.

    Ansioso pelas próximas partes da entrevista (tanto aqui quanto no The Eastern Edge). =D

  2. otimo diogo valeu por trazer essa ótima matéria para n´zo o inoue é bem modesto eheheh

  3. traço mais genial dos mangás? assim tu complica a vida do takehiko.. entrevista peculiar, ótima iniciativa.

  4. Whitespace, eh literalmente espaço em branco, é uma maneira artistica de dizer que quando ele olha pro desenho(pra pagina)q ele esta trabalhando,ele vê tantas possibilidades que nunca fica satisfeito.

    parabens mesmo pela iniciativa, o negocio entao é ir morar na cidade de Kumamoto. ahahhahah

  5. pedro, se fosse esse o significado, ele diria “white pages”.

    autor do post (não achei seu nome! hahah), creio q qndo ele diz “white spaces”, ele quer dizer nas calhas, também chamadas de canaletas. em inglês às vezes chamas de gaps.

    isso se refere aos espaços “mortos” (pq nem sempre são brancos) entre os quadros. esse é o elemento mais fundamental na arte dos quadrinhos, pq é ele que recorta o tempo e dá a noção de continuidade a nós leitores.

    então qndo ele diz q “não acredita na sua canaleta”, ele quer dizer q gostaria de chegar a um patamar maior de “Storytelling”, o q ele acredita q Inoue é o mestre supremo, e concordo plenamente! Em Storytelling (narrativa) ele é insuperável. Vide último capítulo de SlamDunk. FUCKING IMPOSSIBLE!

    1. Muito obrigado, manel.
      Meu nome é Diogo. Tem uma aba ali em cima “Sobre o Autor” era legal as pessoas lerem de vez em quando. rs.

      Sobre o seu comentário, é muito pertinente. Agradeço pela ajuda para minha compreensão e para a compreensão dos outros leitores aqui do blog. De fato Inoue é um gênio no que se diz respeito a narrativa de quadrinhos.

  6. Poxa, muito bom mesmo!!! Eu nem tinha reparado que havia uma parte 2 da entrevista. E continuo agradecendo pelo excelente trabalho de vocês. Obrigado.

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